quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Domingo de Chuva

                                     Domingo de chuva.
E o domingo amanheceu chovendo, o que fazer no dia de hoje?
Era a dúvida de Agripino para aquele dia. Ir ao cinema? Passear no Shopping, comprar um livro novo já que o dessa semana acabou na sexta-feira, andar na chuva até molhar os ossos, sentido as bochechas geladas?
Pois é; as opções não são muito interessantes para quem trabalha como um camelo a semana toda, é solteiro e "já passou do meio dia". Fazer o quê para se distrair? Ir ao Shopping comprar outro livro e ir ao cinema era a opção do dia e de todas as semanas.
Lembrou de ligar para a amiga de trabalho, também solteira e também na mesma faixa de idade, a Adalgisa, mas lembrou que ela se comprometeu com a irmã de ficar com os sobrinhos para o casal viajar mais sossegado.
Parou na frente do espelho, molhou os dedos indicadores na língua e passou nas sobrancelhas que vivia arrumando e alisando e de um tempo para cá costumava arrancar os fios que nasciam fora do lugar. Parou para observar melhor e chegou a conclusão que de tanto arrancar estava com as sobrancelhas finas como as de boneca, apenas uns poucos fiapos.
Como não reparou que tirou fios demais, e agora?
Foi até a gaveta do banheiro e retirou um lápis preto que havia ganho de brinde quando comprou a pinça. -Acho que eles dão o lápis de brinde porque já sabem no que vai dar esse negócio de arrancar fios todos os dias.-
Voltou para o espelho mais uma vez e fez um risco perfeito, engrossando um pouco mais como convinha a um homem sério, assim ele pensava.
Dai foi fazer o outro risco mas não dava certo, saia torto, a sobrancelha da direita era torta por natureza. Então, deixou assim mesmo, uma apontava para cima e outra fazia o tipo acento circunflexo.- o que fazer ó Zeus!!!!-
Resolveu pentear uma franja aproveitando que o cabelo estava crescido no alto. No fundo andava pensando em amarrar os cabelos no alto da cabeça, num rabicho com andavam usando os modelos de revistas e os artistas da televisão, parecia os lutadores de sumô, mas o dele ainda não dava, estava curto ainda, mas dava uma boa franja.
Assim penteou tudo para frente para esconder as sobrancelhas e colocou por cima um par de óculos escuros de aros bem grandes. Como estava frio, vestiu um sobretudo e saiu para pegar um cineminha.
Quando chegou à rua uma ventania estava acontecendo e lá se foi o cabelo para cima descobrindo as sobrancelhas e os óculos ficaram respingados de garoa, assim teve que retirar e ficar segurando o cabelo com as mãos. Ainda bem que não trouxe o guarda-chuva, pensou. Não teria mãos para segurá-lo.
Entrou no metrô e percorreu os corredores de cabeça baixa e entrou na leva de passageiros e ficou de frente para a porta não querendo ser observado. Desceu na estação perto do Shopping e segurando a franja na testa se dirigiu para lá.
Subiu de elevador de costas para todos os demais que subiam com ele e virado para a parede foi até o último andar, o dos cinemas. quando a porta se abriu ele saiu feito uma flecha na direção do cinema. Comprou a entrada, ainda segurando a franja diante da bilheteira impassível, mas que ele era capaz de jurar que ela segurava o sorriso de deboche para a situação constrangedora dele.
Felizmente a sessão começou em seguida apagando todas as luzes. O filme contava a história de um cara não muito certo da cabeça, que roubava madeixas de cabelo e ele não gostou do que viu e voltou para casa muito arreliado. Pegou o Note book e escreveu para a empresa que não iria trabalhar por um motivo muito forte e especial, se quisessem descontar os dias que o fizessem, se quisessem despedi-lo que o fizessem mas o fato é que ele não iria trabalhar tão cedo. Na verdade  ele nem sabia mesmo quando poderia voltar ao trabalho, só quando as sobrancelhas crescessem e voltassem ao normal.
Abriu a pagina do tira-dúvidas e procurou tirar aquela que lhe causava aflição e leu desolado que, se a pessoa for jovem o pêlo demora uns 20 dias para aparecer, se for mais velha a pessoa, o caso dele, e se ao arrancar danificou o bulbo do pêlo, nunca mais nascerá.
Agripino se jogou desconsolado na cama e depois de alguns dias, durante a noite e de chapéu enterrado na cabeça mudou de cidade. Viveu mais de ano escondido só saindo a noite e todo disfarçado. Deixou os poucos e ralos cabelos crescerem, a barba praticamente ele não tinha mesmo e ficou um "barba-rala" que vivia infeliz no quartinho de pensão até o dia em que durante o jantar onde morava, depois de tomar um vinho barato, angustiado por demais se abriu para um outro morador da pensão. Conversa vai, conversa vem ele conseguiu contar para o homem a sua aflição, a sua vergonha; o caso das suas sobrancelhas.
O amigo então o convidou a ir até o seu quarto e sentou-o numa cadeira. Retirou do bolso uma navalha e enquanto Agripino dormitava de porre todo esparramado, o amigo lhe raspou as "maledetas" sobrancelhas com a perícia do barbeiro que era.
Quando acordou, Agripino estava com uma horrível dor de cabeça causada pela qualidade do vinho e foi direto para o chuveiro e só depois se olhou no espelho levando um grande susto.
Correu ao quarto do amigo que ainda dormia ao sabor do vinho também e sacudindo-o até acordá-lo e lhe perguntou o que ele havia feito?
- Como assim, o que eu fiz, não está vendo? Sumi com o seu problema. Ele não existe mais. Ninguém vai rir do que você não tem e agora me deixe dormir que hoje é minha folga.
Agripino voltou desolado para o seu quarto e examinado bem o que ele havia considerado um estrago completo. Penteou, puxou e amarrou o cabelo à moda Sumô e gostou do que viu no espelho. Saiu à rua todo fagueiro pensando;
Se tivesse conhecido aquela pessoa antes, não teria perdido o emprego e teria me livrado de tanto sofrimento, por que não pensei nisso antes? Agora sou um cara de estilo...
E saiu assobiando e chutando uma latinha que estava no chão...

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